terça-feira, 5 de maio de 2015

Nariz

Chamou as duas filhas, sentou-as à sua frente. Mais séria do que de costume, procurava as palavras.
- A Catarina, minha chefe, vem jantar aqui hoje.
As meninas esperam que a mãe prossiga.
- É muito importante que vocês se comportem.
Elas se entreolham. Que conversa era aquela?
- É que... é que ela tem uma coisa que...
A mais velha rompe o silêncio:
- Ela é “portadora de deficiência”?
- Não! –responde categórica.
Dá um suspiro. Desabafa:
- Ela tem um nariz enorme. Gigantesco.
A dupla cai na gargalhada. A menor:
- Que nem o do Pinóquio?
Ela relaxa.
- Na verdade parece um tubarão!
Gargalhadas de novo.
Fica séria.
- Mas vocês não podem falar isso pra ela. Não podem nem falar sobre o nariz dela uma com a outra quando ela estiver aqui.  Não podem ficar olhando pro nariz. Entenderam?
- Mas e se a gente rir?
- Eu mato vocês!
Sabem que é brincadeira. Mas ela baixa a voz e sussurra:
- Não façam isso. Eu preciso muito deste trabalho. Vocês sabem. Mas ela cismou de vir aqui. Quer conhecer vocês. Ela chegou do sul faz pouco tempo... sei lá. É importante pra mim que tudo saia bem.  Vocês têm que fazer de conta que aquele nariz é a coisa mais normal do mundo. Nem dar bola pra ele. Posso contar com vocês?
As duas, lisonjeadas com tanta responsabilidade, balançam afirmativamente.

***
A cozinheira também é avisada. Além de preparar sua especialidade, não deve ficar encarando o nariz da chefe.
As meninas já estão de banho tomado, penteadas, vestidas com as melhores roupas.
A mãe anda de um lado pro outro, experimentando as panelas e trocando os arranjos de flores de lugar.
A campainha toca.
O nariz chega.
É fenomenal.
Mas as meninas ficam impávidas. Seguem à risca as orientações da mãe.
A mãe não tira as meninas do radar.
Quando a convidada leva o copo à boca, há um instante de tensão. A boca do copo é estreita. Será que ela vai conseguir? Será que as meninas vão aguentar ficar quietas?
O nariz quase entala, mas, sua dona, já acostumada com tais situações, sabe qual o ângulo de aproximação exato para evitar incidentes.
Chega a sobremesa. As meninas estão cansadas. Pedem licença para ir dormir.
A dona do nariz comenta como as meninas são educadas. A mãe, discretamente, respira aliviada.
Vai até a cozinha. Seus passos estão leves.
Volta com a bandeja de café. Coloca sobre a mesa e pergunta, sorridente:

- Aceita um narizinho?

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