segunda-feira, 18 de julho de 2016

Sem regras

Tenho 52 anos.
Menstruei pela primeira vez aos treze. Estava ansiosa para que isso acontecesse. É um marco para o qual fui devidamente preparada por minha mãe, minhas tias, minha avó, minhas amigas mais velhas. E também por propagandas de absorventes.
Desde então, minha vida passou a ser regrada. Todo o mês sangue, todo o mês um pouquinho de cólicas, todo mês um novo ciclo. Junto com a lua, ou quase. Um atraso poderia causar pânico. Ou, mais tarde, criar expectativa.
Três vezes a menstruação não veio. Três vezes eu estava grávida. E a gravidez é um outro ciclo, com mais luas, mas também um ciclo de fases, que termina lindamente.
Então vem o puerpério – uma fase sem regras – que também pode ser muito difícil para as mulheres, e sobre a qual também pouco se fala. Não combina com a idealização da maternidade o desejo de atirar a própria cria contra a parede ou de se lançar pela janela do apartamento.
Não fui pega pela depressão pós-parto. Dei sorte. Hoje, ingressando na menopausa, me pergunto se não haverá semelhanças entre esses períodos em que não temos regras.
A diferença é que se, por um lado, agora não tem nenê, por outro, não tem volta. As regras não voltarão.
TPM, leve dor de cabeça, palidez, cólicas (ou não). O sangue vinha e levava o mau-humor, a dor de cabeça e, mais um dia, também se iam as cólicas. Alívio, distensão. Dali duas semanas, muitas vezes, sentia a ovulação. Com ela, picos de libido e de energia. Passados mais uns dias, tudo recomeçava. Durante 40 anos.
A gente é preparada para “virar mocinha”. Para a gravidez. Para o parto. Para cuidar do bebê. Para amamentar.  Mas não para deixar de ser fértil.
Está difícil não ter mais regras, não ter mais ciclo, não ter mais sangue mensalmente.
O sangue vem e vai, desordenado. Hora em gotas de ferrugem, que pingam como uma torneira defeituosa, hora como um tsunami vermelho vivo, sem aviso, e pode me inundar no meio de uma reunião, num restaurante, me obrigando a pedir desculpas para correr ao banheiro e perceber que será preciso comprar uma calça e jogar a calcinha no lixo.
Não é mais T-P-M. É só T. Uma gigantesca T. Que não tem dia para chegar. Que não tem dia pra ir embora. Que vem de supetão, nas mais variadas formas de catástrofe mental.
Os gêmeos AINDA não chegaram da escola? Deviam ter chegado há 10 minutos! 10 minutos! Morreram. Foram atropelados. Foram sequestrados. Sou péssima mãe. Sou uma idiota. Estou velha. E feia. Horrível. Nada do que faço é bom. Abandonei meus amigos. Não sei mais ser amiga. Não sei mais ser filha. As pessoas são TÃO irritantes. Essa pentelha viu a mensagem e não me responde. Responde! Responde! Respondeee, caralho. Por que o telefone está tocando? Quem é o pentelho? Por que a gaveta não fecha? Por que essa PORRA DE GAVETA NÃO FECHA? Por que eu inventei de fazer faculdade? Não vou conseguir terminar. Não vou passar na OAB. Onde está minha chave de casa? Por que, meu Deus, porque eu não deixo a chave no mesmo lugar?  Eu não devia estar aqui correndo, eu devia estar estudando. Eu não devia estar estudando, eu devia estar lendo aquele relatório. Eu não devia estar lendo este relatório, eu devia estar com meus filhos. Eu não devia estar com meus filhos, eu devia ir visitar meus pais.  Minha irmã. Ir no supermercado. Passar mais tempo com meu marido. Marido. Eu vou esfaquear o marido. Ele ronca de propósito pra não me deixar dormir! Isso não vai dar certo. Aquilo também não vai dar certo. Aquilo outro? Vai dar errado.   Onde deixei os meus óculos? Por que, meu Deus, eu não guardo os óculos? Justo hoje, justo hoje tinha que acabar a luz? Tinha que acabar o gás no meio do meu banho? O avião vai cair. É claro que vai cair. Vou morrer. Acabou. Cadê a minha blusa vermelha? Cadê minha blusa vermelha? Por que quando eu teclo cadê, escreve cad~e?? Saco. Saco de teclado. Quem tirou minha caneta daqui?  Quem comeu a última fatia do MEU pão? Não vou dar conta. Não vou dar conta. De fazer. De pagar. De entregar. De educar. De estudar.  De viver.
Acordo e estou diante de um abismo.
No meio do dia, sinto que sou capaz de provocar tremores se pisar com um pouco mais de força.
Ao entardecer, não tenho forças.
Deito e me vejo no meio de um ciclone.
Ou acordo no meio de um ciclone.
No meio-dia estou diante de um abismo.
Ao entardecer provoco tremores.
À noite não tenho forças.
Ou. Não sei. Não tem ordem certa. Não tem regras. Pode ser um dia assim. E outro normal. E outro dia assim. Podem ser dez dias assim. Dez dias assim.

E não adianta você saber que são os hormônios. 

4 comentários:

  1. Demais! Quem já passou por isso já algum há tempo, sabe como é. Força! Melhora! Uma hora você se acostuma, uma hora você se conforma! Viver sem TPM pode ser muito bom e a T para quem faz esporte como a gente é bem mais amena. Um grande beijo e parabéns pelo texto!

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  2. Ahhhh, este texto sou eu!
    Também não fui preparada para esta ausência de ciclo...
    Sem ciclo , sem ritmo...Ritmo é tudo !
    Entre lágrimas ,risos, sangramentos inesperados ou a ausência deles, procuro um NOVO ritmo!
    Belo texto, parabéns Clau !

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  3. Outono da vida...
    Tem seus sabores querida, já estou há uns três anos.
    Para os calores?Leques...em todos os lugares:bolsa, gavetas, estratégicos - tem seu charme.
    Para os humores...yoga, tai chi, meditação.
    Agora é nosso percurso consigo, talvez com o companheiro que, amorosamente envelhece conosco e exercta a paciência quando à noite jogo as cobertas ou repentinamente abro as janelas hehe
    Sempre gostei do outono...vejo meus filhos adultos,minha filha jovem mulher linda#
    E eu? Bom sou agora uma jovem senhora, grávida só de ideias.
    Beijos e saudades🌸

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