domingo, 17 de janeiro de 2016

Breve história de Estrela

Era uma trans que estava sempre no Pão de Açúcar do Pacaembu. Magra, forte e simpática, me ajudava quando via que eu estava em apuros pra colocar as compras no carro, já que o carrinho fica escapando da gente no estacionamento de piso inclinado. Na primeira vez que isso aconteceu, agradeci e perguntei seu nome. Ela respondeu um nome qualquer de homem mas insisti: "como você GOSTA de ser chamada?" E ela, de olhos arregalados e sorriso discreto, apresentou-se: "Eu gosto de ser chamada de Estrela".
Desde então, toda vez que nos encontramos, a cumprimentei pelo nome. Uma vez ela pediu que comprasse um caixa de bombons para crianças que ela iria visitar. Ela não mendigava. Pedia olhando nos olhos, sorrindo, sem intimar, sem implorar. Gostei dela. Estava sempre ajudando as velhinhas do Pacaembu com suas compras, gentil e sorridente, sem histrionismo.

No final do ano, disse a ela que minha situação financeira não estava muito boa e que não poderia ajudá-la. Ela perguntou se eu teria algumas roupas usadas minhas pra lhe dar. Prometi que levaria no começo do ano.
Voltando de Ibiuna, antes de ir pra praia, separei as roupas, escolhendo com carinho modelitos que achei que ela iria gostar.
Passei duas vezes pelo supermercado mas não a vi.
Na segunda vez perguntei ao manobrista - que ficou surpreso pelo fato de eu me interessar por ela - mas ele não a via fazia uns três ou quatro dias. Como era logo depois do réveillon, talvez ela tivesse conseguido um dinheirinho pra visitar alguém. Deixei as roupas no carro.
Semana passada, nas duas vezes que passei por lá, não a vi.
Agora meu filho voltou do supermercado e me deu a notícia. "Mataram a Estrela".
Não tenho nem vontade de saber os detalhes. Posso imaginar e já é triste e chocante o suficiente.
Não saiu nos jornais. Não é notícia. É normal.
Estou de coração apertado por essa estrela de vida meteórica. Certamente vítima da pobreza e do preconceito. Choro por não ter entregue as roupas pra ela, por não ter me despedido, por não saber se alguém a pranteou, por não saber se foi enterrada como Estrela.

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